O piano é um instrumento de grande valia em ajudar os sentimentos e acalmar o coração. Em Varginha temos bons músicos que tocam instrumentos de teclas, e o piano ensinado em nosso conservatório de música criou um aluno que agora é mestre e toca as teclas do piano como um anjo.
Poderia me estender em falas para descrever este pianista, mas como ele é bem conhecido em Varginha e tem uma bagagem musical de peso, vamos ler a entrevista com Francis Vilela, que nos concedeu a honra de batermos um papo e relembrar o passado e falar do presente e futuro.
Como foi sua jornada desde o início dos estudos de piano aos 17 anos até se tornar Bacharel em Piano pela UFMG?
Sou de Carmo da Cachoeira, pequena cidade que fica a aproximadamente 40 minutos de Varginha.
Desde que me matriculei no Conservatório Estadual de Música de Varginha (CEMVA), fiquei muito empolgado com aulas de piano, foi paixão à primeira vista. Me tornei admirador das minhas professoras de piano, primeiramente Cida Valle e posteriormente Eldah Drummond, responsáveis por meus primeiros grandes passos na música.
No Cemva tive um trajeto muito feliz, diferentemente do ensino regular eu gostava de ir às aulas, nunca perdia uma aula de piano. Vivia nas salas de piano estudando e estudava muito em casa em meu pequeno teclado. O Conservatório oferecia até alimentação aos alunos, o que foi essencial para minha permanência no curso.
Tinha muitas dificuldades para estudar em Varginha, a maior delas era distância. A distância sempre foi um empecilho para continuar os estudos, chegava a ficar horas e horas no trevo pedindo carona pra ir para Varginha como pra voltar para Carmo, as vezes conseguia carona e as vezes não, ia pedir pouso na casa de amigos. A prefeitura raramente dava passes de ônibus alegando que “música não era um curso sério”, palavras que ouvi várias e várias vezes. Mas consegui me manter indo a Varginha estudar com a ajuda de muitas pessoas que sempre serei grato.
Em 2002 passei para o bacharelado em piano pela UFMG, minha mãe pediu que não me mudasse para Belo Horizonte pois não tínhamos dinheiro para isso. Como eu já tinha uma classe numerosa de alunos em Carmo da Cachoeira, organizei em aulas quinzenais e aos poucos fui conseguindo trabalhos em BH, com isso consegui me mudar e me manter na capital mineira.
Fiquei muito feliz em BH, estudei muito, fiz muitos amigos e fui aluno do pianista e professor Miguel Rosselini, um artista que admiro muito e me tornei amigo. Realizei muitos recitais de piano solo, duos com violino, flauta, trombone, canto etc. Estudei regência, composição história da arte, filosofia e outras disciplinas com excelentes professores, foi uma experiência muito enriquecedora.
Me graduei em piano em 2007, e desde as primeiras aulas de piano do CEMVA até hoje estudo muito, música consegue me contagiar com uma paixão como se houvesse a magia da primeira vez tocasse as teclas do piano.
Quais foram os principais desafios que surgiram durante seus estudos musicais?
Como mencionado acima, a distância foi difícil, por falta de condições financeiras não tinha facilidade de me locomover entre uma cidade e outra, e ficava muito tempo esperando boa vontade de pessoas que me deram carona.
A falta de condição financeira influi também na dificuldade de adquirir um bom instrumento, consegui comprar um bom piano apenas anos depois de me formar na faculdade. Eu ainda tive sorte pois muitos bons pianistas passam a vida sem conseguir um bom piano.
Quantidade de trabalho também é um desafio para o crescimento musical, dar muitas aulas atrapalham no desempenho artístico. Vale a pena ressaltar que amo dar aulas, mas dar muitas aulas sem retorno financeiro justo se torna um fardo.
Como é o seu processo criativo ao compor trilhas sonoras para filmes como “Ela acorda cedo” e “Óleo sobre tela”?
Nas aulas de composição aprendemos muitas ferramentas para criar músicas, são elas: estruturação, harmonia, contraponto, orquestração, linguagens utilizadas pelos grandes compositores e seus respectivos períodos etc.
Sempre que fui convidado a fazer trilha sonora para algum filme ou animação eu leio o roteiro e pergunto para os produtores quais referências musicais eles pensaram para suas trilhas. Eu não me lembro da referência de “Ela Acorda cedo”, mas do curta “Óleo sobre tela”, a diretora passou como guia musical a trilha do filme de ficção científica intitulado “Her”, de 2013.
Com o roteiro em mãos e alguma música sugerida pelo diretor eu consigo organizar a trilha sonora para a obra.
Você pode compartilhar conosco um pouco sobre seu projeto de pesquisa “Memória da Performance e do Ensino de Piano na Cidade de Varginha”?
Meu projeto de pesquisa está profundamente ligado à minha formação pianística formal e informalmente. Formal pelo elo com professores e instituições importantes para a história e informal pelas conversas com amigos sobre pianistas e eventos que aconteceram na cidade que contribuíram para minha paixão pela música.
Neste projeto eu estou buscando informações em recortes de jornais, fotos, programas de apresentações e livros com a finalidade de documentar academicamente os personagens, os eventos e as instituições que moldaram o cenário pianístico atual em Varginha.
O trabalho intitulado “Memória da performance e do ensino de piano em Varginha – MG” se apoia tanto na pesquisa documental quanto nas memórias de personagens significativos para essa história.
Quais são suas principais influências musicais na composição e na interpretação?
Minhas principais influências vão desde as nostálgicas músicas sertanejas que meu pai ouvia, repletas de contornos melódicos muito bem elaborados, passando por bandas de rock com letras que me fizeram crescer, até os primeiros discos de música clássica que adquiri, com grandes orquestras e pianistas como Nelson Freire e Arthur Moreira Lima, estilo que mais me apaixonei.
Como você equilibra sua atuação como músico solo, músico de câmara, compositor e professor de piano?
Difícil, não sei de onde tiro energia e tempo pra todas essas funções, e além das citadas acima ainda trabalho com vendas de pianos.
Quais foram os momentos mais marcantes em sua carreira até agora?
Toda a carreira é especial. A aulas onde conversamos sobre a beleza da música e buscamos aperfeiçoamento técnico para executá-la, a magia de abrir um livro de partituras, fazer a primeira leitura e me deparar com tamanha perfeição de grandes compositores, o orgulho e nervosismo das apresentações, das gravações e também a alegria de tocar junto com grandes músicos.
Podemos contar um pouco sobre o processo de gravação do álbum “Chiquinhando por aí” e o que esperar do segundo volume?
O álbum “Chiquinhando por aí” foi um projeto da cantora Tau Assumpção para gravação de um álbum e áudio visual de obras de Chiquinha Gonzaga, sendo que três das músicas temos a honra de ser o primeiro registro.
Lançado em 2021, formado por Tau Assumpção na voz, Lenara Finotti na viola de arco e Francis Vilela ao piano, o álbum contém estilos como maxixe, tango, fado, marcha e canção e se encontra disponível nas plataformas digitais.
O projeto do segundo volume do álbum está em andamento, programado para gravação em julho de 2024, a formação será canto, percussão e piano e ainda estamos organizando o repertório com obras tradicionais e inéditas de Chiquinha Gonzaga.
Como você vê o papel da música na sociedade contemporânea?
A música é de suma importância em qualquer momento histórico da sociedade. Música nos possibilita a transmitir nossas emoções, a expressar nossa identidade cultural e com isso auxiliar na coesão social.
Com o envolvimento com música também há um papel fundamental no crescimento individual, desenvolvendo capacidade de criação, auxiliando na saúde física e cognitiva e ainda tendo resultados terapêuticos.
Quais são seus planos futuros em termos de performances, composições e pesquisa?
Assim que se encerra um ciclo de apresentações com um tipo de repertório já me vem à cabeça todas as obras que gostaria de tocar, acaba se tornando um ciclo vicioso. Para este ano, além da gravação do segundo álbum de “Chiquinhando por aí”, tenho como planos recitais com canto, flauta e piano a quatro mãos, todos no segundo semestre.
Como é a sua abordagem ao ensinar piano para seus alunos? Existem princípios ou técnicas específicas que você valoriza?
Os princípios técnicos da escola tradicional de piano são bem consolidados e muito eficientes, portanto, o ensino tradicional associado às novas ideias de educação musical é fundamental para um bom resultado.
A verdade é que cada aluno reage de uma forma e tem objetivos distintos com o piano, então a maleabilidade com relação à abordagem técnica e repertório utilizado é crucial para o envolvimento e crescimento do aluno.
Quais são os desafios e as recompensas de trabalhar como músico em cidades do interior, como Carmo da Cachoeira e Varginha?
Hoje não trabalho mais em Carmo da Cachoeira, dou aulas pelo CEMVA e particulares em Varginha e no Centro Musical Edgar Willems em Lavras.
Os desafios são diferentes em cada lugar que trabalho.
No conservatório, por exemplo, temos como desafios muitos alunos sem instrumento em casa para praticar, escola com instrumentos precários, vários alunos dividindo o mesmo piano, baixos salários para professores em geral. Como recompensa posso citar a democratização das aulas de música, assim como não paguei e nem poderia pagar pelas caras aulas de piano, no CEMVA posso retribuir dando aula a alunos de todas as classes.
Além do piano, você toca ou se interessa por outros instrumentos musicais?
Sim, já estudei um pouco de saxofone e agora estou brincando tocando acordeom.
Como você encontra inspiração para suas composições e performances?
Acho que a inspiração maior é amar o que eu faço, é indescritível o que eu sinto quando faço música e não me vejo trabalhando com algo diferente.
Qual conselho você daria aos jovens músicos que estão iniciando suas jornadas na música clássica e na composição?
Meu conselho aos jovens músicos é que estudem música, música de qualquer época, estilo e compositor. Sintam felicidade ao tocar e ao sentir como as notas que produzimos nos fazem bem, tentem extrair as mais belas sonoridades do seu instrumento e independentemente de crenças, veja como isso faz bem pra “alma”.
Como carreira sou um entusiasta, trabalhar com música é gratificante e é uma linda profissão. Mas independente que seja profissão, tocar é um bem maior pra gente, estudar qualquer disciplina é um bem maior para a gente e para a sociedade, estamos cheios de pessoas que se dizem especialistas sabendo apenas o básico.
Enfim, acho que o envolvimento com música é especial, é único, e pra mim se tornou essencial como ar, água e alimento.
Fotos: OFVga/Mari Ribeiro @marianeribeiro.fotos