Paris 2024 está no fim. No meio de Bias, Gabis, Anas e Marias, além das já consagradas Martha, Rebeca, Rayssa e tantas outras, as medalhas vão estourando feito pipoca de milho bom. Nessa primeira Olimpíada com paridade de gênero, na delegação brasileira, nós, mulheres, somos a maioria.
E viva essa maioria porque são elas que estão subindo nos pódios. De nossas 14 medalhas (até o momento em que escrevo este texto), 9 são das mulheres, 4 dos homens e 1 de equipe mista. E os ouros foram conquistados por elas. Isso mostra a importância da participação feminina efetiva também no esporte, com oportunidades iguais. Só a partir de 1932, em Los Angeles, com a nadadora Maria Lenk, as atletas brasileiras passaram a participar dos jogos olímpicos. E pensar que, há alguns anos, a gente se dava por satisfeito em trazer alguns poucos bronzes e, quiçá, uma prata. Tempos em que o mundo só sonhava com o segundo lugar no quadro de vencedores porque o primeiro era da inatingível União Soviética.
Mas tudo melhorou, ainda bem. É a Vitória da saúde mental, da competitividade saudável, do espírito esportivo, do respeito aos atletas e às atletas. Vemos cenas de apoio e amizade entre adversários nos campos, quadras e tatames. O choro está liberado, seja de alegria ou de dor. Ver o nadador Guilherme Costa, o nosso cachorrão, aos prantos em sua frustração, nos dá esperança nessa nova geração de homens que não tem medo de demonstrar seus sentimentos.
As mudanças vêm acontecendo. Desde a última Olimpíada, foi criado o time olímpico de refugiados, que representa todo aquele ou aquela que precisou sair de seu país por razões políticas ou sociais. Pela primeira vez, as atletas que amamentam têm em Paris uma sala reservada a elas e seus bebês. Há também um lugar para que as crianças pequenas, filhas de atletas, fiquem em segurança enquanto seus pais treinam ou competem.
Mas nem tudo são flores na cidade do amor. Há, como houve no Rio, a polêmica da “limpeza” social, com moradores de rua sendo realocados para partes escondidas da cidade. E o rio Sena que foi limpo, mas não ficou limpo. Entre outras.
Com a visibilidade do evento, muitos participantes aproveitam para denunciar abusos e massacres, dentro e fora do esporte. Os atletas que foram Porta-bandeiras da delegação da Palestina traziam bordado em suas roupas as cenas de bombas israelenses sendo lançadas sobre uma escola infantil em Gaza. A boxeadora congolesa, ao fim da luta, fez o gesto em ato de protesto, colocando uma mão na frente da boca e apontando dois dedos da outra para a cabeça, como uma arma – ela denuncia a violência que assola seu país há mais de duas décadas, num conflito armado que a mídia mundial não mostra. Kimia Yousofi, velocista afegã, ao terminar sua prova, virou seu número de identificação mostrando o que ela havia escrito atrás: “educação”, “esporte” e “nossos direitos” em inglês, seu mudo protesto pelo talibã ter proibido as mulheres de seu país de praticarem esportes e estudarem – ela fugiu do Afeganistão depois das Olimpiadas de Tóquio e hoje vive na Australia.
Na nossa delegação, o medalhista de prata na marcha Caio Bonfim fala sobre o preconceito que sofre em seu esporte e desabafa: “Não estamos brincando de rebolar”. Nossa velocista Flávia Maria de Lima vem lutando pela guarda de sua filha na justiça, defendendo-se da alegação do ex-marido de que suas viagens para competir configuram abandono parental. Que pai atleta, alguma vez, teve que lidar com algo semelhante?
Paris, terra de estilistas famosos, também tem suas polêmicas na moda olímpica. Nos jogos de Tóquio, as toucas de natação para cabelos afro foram proibidas. O fato gerou barulho, provocando mudanças. Para esta edução, seu uso foi liberado. A padronização de vestimentas para atletas tem seus vieses históricos, principalmente as femininas. Durante muito tempo os uniformes foram decididos por comitês exclusivamente masculinos. Roupas extremamente curtas que incomodam as atletas e passam veladamente a ideia do estereotipo do corpo feminino e da sexualização do esporte vão sendo questionadas a cada evento. Para 2024, um maiô de atletismo apresentado pela Nike recebeu diversas críticas, principalmente por ser muito cavado, dificultando os movimentos.
Fora das quadras, narradores, comentaristas e jornalistas, classe ainda predominantemente masculina, sucumbem a vieses preconceituosos inconscientes (ou conscientes). O comitê de natação artística, publicou numa nota de repúdio a um comentarista por falas discriminatórias à modalidade. Daiane dos Santos virou manchete ao se enganar numa fala sobre a língua de sinais, mas o comentarista da sportv, que chamou o tiro com arco de arco e flecha, nem foi mencionado nas redes. Felizmente passamos da fase em que a mídia elegia as musas das Olimpíadas…
Ainda há muito o que melhorar, mas quando vemos um pódio composto por três mulheres negras, sentimos que há esperança. O recado está dado: a maioria dos medalhistas vieram de projetos sociais. Que eles se multipliquem! Que a bolsa atleta ajude mais e mais jovens esportistas a se dedicarem exclusivamente, alcançando a excelência. Porque é assim que se muda a realidade. É assim que se constrói um país. Manda brasa, Brasa! Que o esporte e a cultura espalhem a paz pelo mundo!
Luciane Madrid Cesar é uma paulistana de coração mineiro. Cronista, contista, poetisa e escritora de livros Infantis, vê desenho nas nuvens e alegrias no cotidiano. Estuda Cultura da Paz, é mediadora do clube de leitura Leia Mulheres e embaixadora Lixo Zero, na busca por cocriar um mundo melhor.