No mês de abril, dia 19, comemorou-se o Dia dos Povos Originários. Na infância de muita gente, inclusive na minha, este dia era chamado simplesmente de Dia do Índio. As escolas faziam cocares aleatórios para suas crianças com papel colorido e pintavam seus rostos, sem nem saber o que realmente essas pinturas e vestimentas significavam. O índio era um personagem folclórico, caricato, do qual a sociedade só se lembrava uma vez por ano – semelhante ao Papai Noel.
Agora, na era da conscientização, tornou-se urgente conhecer e valorizar estes que são os habitantes mais antigos da terra que nos abriga. Importante conhecer seus costumes para saber como homenagear sem ferir sua cultura. E entender que o melhor modo de celebrar o dia 19 de abril é aprender mais, o ano todo, sobre as culturas desses povos irmãos.
Sim, eu disse, culturas, povos. Uma das primeiras coisas que temos que desmistificar é a ideia de que os indígenas têm uma cultura única. São diversos povos espalhados por todo o Brasil.
O nosso linguajar vulgar é cheio de termos incorretos e ofensivos aos povos originários. Com frequência, usamos palavras e expressões que os diminuem e desrespeitam, revelando um preconceito estrutural do qual, às vezes, não nos damos conta. Ainda que as palavras sejam ditas sem nenhuma intenção consciente de discriminar, podemos reestruturar nossa fala sem prejuízo da comunicação e pelo crescimento do respeito universal. Abaixo, uma lista para que iniciemos a mudança.
Índio – associada a um estereótipo de seres primitivos e atrasados. Para substituí-lo, usemos indígena ou povos originários.
Tupiniquim – usado como sinônimo de brasileiro, é o nome de um povo que vive, atualmente, no Espírito Santo. Ao usá-la para definir os habitantes do Brasil, excluímos todos os outros.
Tabajara – criado a partir de um programa humorístico, é usado para definir algo falsificado ou de má qualidade. É nome de um povo, que vive nos estados do Piauí, Ceará e Paraíba. Seu uso em frases que não se refiram a este povo é depreciativo.
Programa de índio – seu uso é associado a uma atividade ou evento chato, ruim. Denota uma forma pejorativa de olhar para os costumes indígenas.
Quem fala, “mim” é índio – frase usada para corrigir um erro de português, leva a pensar que os povos originários não são capazes de falar corretamente nossa língua. Considerando que qualquer pessoa cuja língua materna não seja o português está sujeito a cometer o mesmo erro, é uma declaração preconceituosa.
Descobrimento do Brasil – Evidentemente, o Brasil não foi descoberto. Já havia povos vivendo por aqui. Ele foi tomado, invadido. O correto seria usar “Conquista do Brasil” ou “a chegada dos portugueses ao Brasil”.
Muito cacique para pouco índio – indica um preconceito contra a forma de organização política das comunidades originárias, que não possuem um sistema centralizado como o que costumamos ver em outros povos.
Tribo – palavra que designa apenas um agrupamento de pessoas com objetivos semelhantes, sem autonomia nem organização social, o que não é o caso dos povos originários. O correto é usar “povo” quando se tratar das pessoas, e “aldeia” quando vai se falar do território.
As mudanças na fala não acontecem num passe de mágica e talvez ainda falemos, sem querer, uma ou outra coisa por algum tempo. Mas estar consciente de que é preciso mudar vai tornar tudo mais fácil.
Segundo a antropóloga Gabriela de Carvalho Freire, em entrevista ao Jornal Plural, “… a linguagem revela muitos preconceitos e opiniões que temos no dia a dia”. Ela diz que a língua é a primeira instituição da nossa cultura com a qual tomamos contato e as mudanças na linguagem, a longo prazo, terão efeitos práticos na vida das pessoas.
Bora mudar nosso vocabulário?
Luciane Madrid Cesar é uma paulistana de coração mineiro. Cronista, contista, poetisa e escritora de livros Infantis, vê desenho nas nuvens e alegrias no cotidiano. Estuda Cultura da Paz, é mediadora do clube de leitura Leia Mulheres e embaixadora Lixo Zero, na busca por cocriar um mundo melhor.
