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GOSTO AMARGO

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“Toma, criatura, é amargo, mas cura! Toma que, apesar de ser ruim, sara!”

Toda vez que a minha avó medicava seus netos essa frase precedia, sempre com doçura, mas com firmeza.

Minha avó, uma matriarca à moda italiana, cuidava das mazelas de toda a família.

Sua morte foi um silêncio! Foi uma reticência sem fim, com mais do que três pontos. Ela segue infinita até hoje.

A mãe da minha mãe, mas conhecida como Vó Teresa, era mulher atinada na sabedoria; carregada de sonhos que nunca se realizaram.

Minha avó queria ser médica, mas foi grande enfermeira e para ela isso talvez tenha bastado.

Foi uma mulher que ultrapassou seu tempo e o soube passar com nobreza.

Engoliu bons desaforos do marido machista e mulherengo; descalabros de dois filhos com aspectos delinquentes, uma filha dada aos desfrutes e luxúrias, outra afundada em depressão, fora os agregados e agregadas que compunham um quadro desconfigurado de Salvador Dali.

Dona Teresa tinha a acidez de um limão e a doçura de um favo escorrendo mel.

Era de um equilíbrio cirúrgico.

Perdi minha avó muito cedo.

Ela foi partindo aos pedaços, pois há tempos atrás, os diabéticos eram facilmente amputados por conta da ineficácia da medicina.

Eu cresci com minha avó!

Herdei parte da personalidade dela por osmose e a outra parte, por admiração, por amá-la tanto e sem fim.

Minha avó não carregava no colo, mas era dona de um abraço tão apertado que, ou nos fazia sorrir de satisfação ou chorar de emoção.

Realmente, ela tinha o dom de acolher, com suas mãos gorduchas e com seus olhos despidos de julgamentos.

Toda vez que o gosto da vida chega até mim, de maneira amarga, interferindo na cadência dos meus anseios, eu lembro da vovó Teresa – “É amargo, mas cura…!” Antecipo no coração ansioso e desenfreado, a concepção de que tudo passa, tudo cura… tudo sara, como dizia minha avó.

Nas pontes intransponíveis dos imediatismos, das urgências e emergências ou das intransigências interpessoais, vou me acomodando, como água de rio, correndo às voltas dos obstáculos, sinuando como barquinhos de papel, em dias de enxurradas a meio fio.

Uso o equilíbrio herdado da minha avó, por osmose, e sigo confiante, na certeza de que o gosto amargo é tão necessário quanto as delícias dos sabores mais adocicados.

Malu Silva é contadora de histórias, escritora, vaga livre pelo mundo, pegando uma estrela aqui, um pedacinho da Lua ali… Brinca com o Sol, faz poemas para o mar… Veste as desventuras de alegria para poder viver bem os seus dias.

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